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A PRÉ- HISTÓRIA DAS CONFRARIAS GASTRONÓMICAS
                                                      por Paulo Sá Machado


É em Roma que surgem os primeiros Colégios, Confrarias que se juntavam nos botequins onde se faziam os petiscos e as “servas” andavam muito bem enfeitadas deixando-se cortejar pelos clientes, que por vezes entravam em disputas violentas, para conseguirem os favores das empregadas.
Mas como não pretendemos dar uma panorâmica da história, o que nos arredaria do tema a que nos propusemos, iremos saltar para as:

AS CONFRARIAS MEDIEVAIS

As Confrarias Gastronómicas não surgem por geração espontânea e tiveram os seus antecedentes os “collegia” romanos e as “gildas” germânicas, mas tendo como pressuposto ideológico e psicológico dinamizador , a doutrina cristã.

Uma característica comum a todos os colégios romanos era a realização de banquetes. Outra característica era a ligação a um patrono benfeitor que convidava os membros para uma farta refeição.

Na França carolíngia existiram associações ou sociedade de entreajuda ou “collecate” unidas pelo juramento e pela prática da “compotacio” ou refeição em comum e o Concílio de Nantes em 858, no seu capítulo 15º, ocupou-se especialmente “de collectis quas gildonias vel confratrias vocant”. Através do seu articulado percebe-se que na base destas associações dominam os objectivos profanos: realização de um banquete, entreajuda e reconciliação entre os seus membros.
Ainda hoje, e ao longo dos tempos sabemos que é à mesa que muitos assuntos se resolvem, desde os profissionais, sociais, políticos, económicos, etc, etc. Assim somos de opinião, que as Confrarias Gastronómicas, mesmo sem esta nomenclatura recente, sempre existiram.
Tome-se com exemplo, o século XVIII, onde as fartas e prolongadas refeições se realizavam não só como forma de ostentação, mas também como reunião de amigos, onde no final de tratavam de todos os problemas da comunidade.

Em relação à atitude da Igreja perante estas Associações espontâneas de laicos, podemos admitir que começou por ser de desconfiança, receando que continuassem o paganismo ou que se convertessem em movimentos heréticos. Porém, desde muito cedo, procurou cristianizá-las e utilizá-las em seu proveito, tarefa relativamente fácil, pois a solidariedade entre os seus membros saía reforçada com a prática dos preceitos evangélicos de amor e caridade e consolidada com a prestação de juramento religioso.

Hoje as actuais Confrarias Gastronómicas, têm o seu juramento, tal e qual acontecia no passado.

A própria Igreja fomentou desde o Século IX e X a criação destas “familiaridades artificiais” de laicos à volta de mosteiros paróquias e, na sequência da reforma gregoriana, propiciou até a fundação de confrarias de clérigos e de confrarias mistas de clérigos e leigos.

Como nota, à margem refira-se que era nos Mosteiros e Conventos onde se preparavam lautas refeições e de onde surgiram receitas que ainda perduram e são sobejamente apreciadas nos dias de hoje.
Tomemos como exemplo: o maranho, negalho, chanfana, tripas à moda do Porto, papas de sarrabulho, e os doces conventuais, como os célebres Ovos Moles de Aveiro, a Fogaça da Feira, Toucinho o Céu, Clarinhas de Fão, Pasteis de Tentugal, Pão de Ló nas suas diferentes variedades, Morcela Doce de Arouca, Fatias Douradsa de Resende, etc, etc,
Em Portugal as Confrarias mais antigas datam do Século XII. A Confraria de Fungalvás, povoação da Freguesia de Nª Srª da Purificação de Assentiz, Concelho de Torres Novas e talvez das da Bexiga povoação na Freguesia de Nª Srª da Conceição, de Paialvo, Concelho de Tomar, Payalvo, Povoação da Freguesia de Nª Srª da Igreja Nova, do Concelho de Tomar, e Santa Maria de Olaia, freguesia do Concelho de Torres Novas de características tão primitivas. Repare-se que todas elas pertencentes aos Concelhos de Torres Novas e Tomar.
Á mesma época remontará a Confraria de S. João do Souto da cidade de Braga cujo compromisso antigo se perdeu.

As irmandades portuguesas que figuram nos documentos da época são sinónimos de Confrarias. Devemos, contudo, lembrar que, em alguns dos compromissos, os dois termos comportam um significado específico.
Na Confraria de S. Bento de Torres Novas, procediam-se à distribuição de pão e carne que os Confrades coziam no Terreiro, já na Confraria de Stº André de Montemor-o-Novo, a termo Confraria também designa a refeição comum. No compromisso do Salvador de Torres Novas declara-se mesmo que o nome de irmandade ou confraria só se justifica se houver refeição em comum.

É no fundo, o mesmo significado específico que o vocábulo irmandade mantém nos Açores, onde a irmandade constitui a chave de um IMPÉRIO. “A expressão designa tanto um conjunto de ofertas alimentares feitas pelo imperador, como um conjunto de ofertas, sobretudo alimentares feitas ao Imperador.

Como lembra Pierre Bonassie, o grupo profissional ou ofício procede de uma facto , enquanto a Confraria é sempre uma Associação voluntária.

Nos compromissos mais antigos da Vila Torres Novas e seu termo transcrevem-se passagens evangélicas que apelam para a comunidade dos bens dos primitivos cristãos e para o amor das obras mais que por palavras. De resto são os princípios de caridade cristã que inspiram e norteiam, dum modo geral, os redactores desses compromissos. O COMPROMISSO DE UM CONFRARIA NÃO DEPENDE, EM PRINCÍPIO, DUMA VONTADE INDIVIDUAL, ANTES RESULTA DE UM ACORDO DE VONTADES LIVREMENTE DELIBERADO PELOS INTERESSADOS.

A entrada numa Confraria fazia-se publicamente através do juramento do compromisso sobre os Santos Evangelhos, o que dava à instituição o carácter de Associação Juramentada.
A permanência numa Confraria dependia, em primeiro lugar, do comportamento do Confrade, mas também do pagamento de certos encargos, cotas anuais, multas por infracções, contribuições para refeições, etc.

As Confrarias Medievais atestam a persistência e o vigor das solidariedades horizontais numa época em que as solidariedades verticais eram dominantes.

Até este ponto podemos apreciar como eram e o que foram as Confrarias Medievais que deram origem às actuais Confrarias.

A GASTRONOMIA NA ÉPOCA DOS DESCOBRIMENTOS

A alimentação era á base de biscoitos, carne e peixe salgados, água e vinho o que causava diversas e graves doenças. O biscoito, confeccionado com farinha de trigo, durava bastante tempo – quanto mais vezes fosse cozido maior seria a duração- o que o tornava num alimento com poucas calorias.
Para colmatar as falhas na alimentação, eram sempre que possível embarcados animais vivos e fruta fresca. A falta de água potável era outro dos problemas com que se debateram os navegadores. O espaço era reduzido e o mau acondicionamento dos alimentos, tornava a água quase imprópria.

A CONFRARIA DO BURRAÇO

Em 1578, o Povo da Freguesia de Lampaças, Concelho de Bragança, a instâncias de naturais seus que em Castela haviam presenciado a veneração da Santa Cruz, o povo resolveu instituir uma Irmandade desta invocação. Logo os “cristãos novos” da terra, em desprezo daquela Confraria, criaram uma outra, com organização semelhante mas tendo por objecto principal: comer, beber e folgar. Foi denominada do BURRAÇO, podendo a ela pertencer cristãos velhos e clérigos.
Naturalmente a constituição desta Confraria constituiu um escândalo e determinou quatro anos depois uma intervenção do Santo Ofício.
Pedro Lopes é julgado na Inquisição de Coimbra e interrogado a 4 de Agosto de 1582, entre outros depoimentos ressaltamos: “Perguntado se era verddae que ele e as ditas pessoas da sua nação, encorporados em modo de confraria, andaram pelo dito lugar, por casa dos cristãos-novos, pedindo para a Confraria do Burraço, e penhorando os que não queriam pagar, e ele recebia o que pagavam e os penhores, dizendo aos cristãos velhos que se assentassem na sua Confraria do Burraço, que havia de ser mais farta e ter melhor de comer que a da Cruz, e que todos comeriam, escarnecendo em tudo a Confraria da Santíssima Cruz : disse que andavam comendo, bebendo em casa de uns e de outros, e que o não fazia por menos preço da dita Confraria.”
Mais disse Pedro Lopes que burraço é a palavra que naquela terra «se traz muito em prática e quando alguma pessoa cai em algum descuido ou parvoíce lhe dizem que é burraço, e que há-de pagar para o burraço, pelo que todo ele réu está sem culpa ...»


A CONFRARIA “A PANDOCARDA”

Semelhante, no espírito à Confraria do Burraço, era a Festa em Honra de S. Membrum que os marranos (1) de Vilarinho dos Galegos – Mogadouro ainda por volta de 1940 celebravam “ A Pandocarda” a 30 de Setembro, depois da festa católica em honra de S. Miguel, orago da freguesia ali conhecida pela pitoresca designação de S. Miguel das Uvas – época das vindimas.A função desta Confraria era bem comer e copiosas libações. Dançava-se ao ar livre, em volta do povoado e em redor da “igreja ao som do pandeiro, em ensurdecedora algazarra. Para que tudo fosse ao contrário, e tudo se amesquinhasse, as mulheres cavalgavam os homens.


AS PRIMEIRAS CONFRARIAS
Agora resta-nos dar a conhecer a relação

Século XII – Confraria de Stº André de Montemor-o-Novo
- Os Impérios nos Açores, exemplos de Confrarias quase gastronómicas
Século XVI – 1578, a primeira Confraria Gastronómica portuguesa – A Confraria do Burraço.
Século XX – 1940 , A Pandocarda , Confraria Gastronómica de Vilarinho de Galegos –
Mogadouro.

(1) Marranos – Nome dado, por sarcasmo, aos judeus e mouros recém-convertidos ao Catolicismo, segundo alguns, em face da repugnância em comer carne de porco, segundo outros, pela sua conversão aparente ou pouco sincera, e portanto não genuína, impura no sentido dado aos termos “narrrano” e “marão” no Cancioneiro de Garcia de Resende.


*Bibliografia:
Beirante, Maria Angela Godinho Vieira da Rocha – Confrarias Medievais Portuguesas,
Edição de autor 1990.
Freitas, Eugénio de Andrea da Cunha e – A Confraria do Burraço em Quintela de
Lampaças, - Douro Cultural, Boletim da Comissão Provincial de Etnografia e
História, 1950
Machado, Paulo Sá – As Confrarias Gastronómicas Portuguesas, Edição da Confraria da
Broa de Avintes, 2002
Pereira, Esteves e Guilherme Rodrigues–Portugal Diccionario Historico, Chorographico
Heraldico, Biographico, Bibliographico, Numismatico e Artístico – Edição
João Romano Torres- Lisboa -1904
 

   

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